quinta-feira, 2 de maio de 2013

HÁ VIDA EM QUATRO RODAS


- Gonçalo Câmara

Falo de táxis. Não, não vou gozar nem trazer ao de cima qualquer conversa de táxi a caminho ou a vir da noite. Vou congratular, homenagear e agradecer o que tenho ouvido nos últimos dias dentro de um táxi. Sim, cospem para o chão, sim dizem palavrões a cada palavra e sim, mandam vir com tudo e todos. Mas como dizia um senhor bem famoso e conhecido de todos: “Atire a primeira pedra quem nunca o fez”.
Entro dentro do táxi e dou as indicações. Campolide era o destino. Eu já não estava muito bem mas percebi que estávamos no caminho certo. O taxista vinha a falar de forma a que eu não adormecesse porque ele precisava das indicações exactas e não queria entrar por caminhos desconhecidos. No meio de balanços, lombas e flashbacks da noite, vinha uma preocupação a cada cinco minutos. “Tenho apenas 5 euros e meio”. Chegados ao destino, olho para o taxímetro e reparo que tínhamos atingido os 7 euros. “Deixe lá. Dê-me só os cinco euros. Guarde essa moeda de cinquenta para beber um café amanhã. Vai precisar”. Agradeci e saí. Ainda hoje penso naquele senhor. Com alguma idade, rosto duro e com o peso das dificuldades da vida nas costas. A vida não está fácil para ninguém e deixou-me seguir. Saí com menos uma nota mas com muito mais sentido de gratidão.

A caminho de casa, a pé, passo por uma praça de táxis. Oito ou nove formavam a linha. O apito do hotel era soado e lá ia um. Cada um esperava a sua vez. Cada um sentia a ansiedade de percorrer mais um caminho. Nisto vejo que um dos taxistas, enquanto esperava pelas pessoas, via notícias on-line no seu tablet. Achei curioso. Aproximei-me e perguntei se havia novidades sobre o derby. Antes de qualquer resposta disse: “Sim, este iPad é meu. O senhor pode achar estranho mas tive dinheiro para o comprar. Há dois meses atrás era advogado”. Fiquei pasmado ao ouvir aquilo e ao mesmo tempo queria conhecer a história por detrás de tanta angústia. “Estudei na Clássica. Fui assistente e ingressei numa sociedade de advogados. No escritório trabalhávamos sete e havia gente fora do país. Do dia para a noite, fiquei sem nada”. Não tinha argumentos para usar, não tinha palavras que saíssem por muito que quisesse. Desejei boa noite e avancei. Saí sem vontade de falar mas com vontade de ajudar.

18:32h de uma sexta-feira. Hora de ponta. Estou atrasado para um evento. Entro no táxi com alguma pressa e peço por tudo para que descubra o caminho mais rápido até à Quinta das Conchas. “Farei o que puder”. Assim seguimos. Entre olhares de relógio e de janela, o tempo corria e o carro não andava. Pára arranca, pára arranca. Rotina da semana, vontade da cidade chegar a casa. Zapping de rádios e abertura de vidros. A pressão dos dois lados e uma grande falta de atenção. Chegado ao destino, olho e reparo que não foi ligado o taxímetro. Meto as mãos à cara e estou disposto a dar 10 euros. Seria mais ou menos o preço certo do trajecto. “Não se preocupe. A distracção foi minha. Não estou capaz de fazer as contas e ando com a cabeça fora do lugar. As coisas não têm corrido bem. Dê-me só três euros para ir jantar à roulote.” “Eu faço questão de lhe dar esta nova. Por favor, aceite”. “Obrigado mas não vou aceitar. Não fui profissional. Saia de consciência tranquila”. Saí com menos três euros mas com muito mais vontade de estar atento a quem precisa. Passam por nós todos os dias. Cruzamos vidas e seguimos. Nunca sabemos o que se passa do lado de lá.

Estas são histórias reais de conversas em táxis. Não foram seguidas porque não ando assim tantas vezes de táxi mas, compiladas, trazem-me à memória momentos fortes.

Obrigado o Senhor Artur e ao Senhor António. O terceiro taxista não cheguei a apanhar o nome mas espero apanhá-lo numa próxima viagem...

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