segunda-feira, 17 de setembro de 2012

SEM TI, O PUZZLE.

Dou por mim com peças soltas. Sem vontade de as organizar. O silêncio que existe entre a noite e o amanhecer chama pelo puzzle. Planos e desejos são traçados enquanto as junto, sem força mas com consciência. Junto o antes, o agora e o depois e nada aparece. Falta algo. A saudade do passado mostra as peças todas brancas, o que vivo agora mostra as peças mais escuras e o que está para vir tem as peças todas iguais. Sem ti, o puzzle não tem forma concreta. Sonho acordado e vivo a querer dormir. Voltas? Temos peças para juntar.

domingo, 9 de setembro de 2012

O SEM SENTIDO TEM SEMPRE SENTIDO

“Isso não faz sentido nenhum”. As pessoas têm sempre a mania de dizer coisas destas mas eu constatei que o sem sentido tem sempre sentido. Não existe algo sem sentido porque tudo o que é proferido, feito, idealizado, vai com um propósito. Vai numa direcção. Até este texto. Se eu começar a falar dos coentros que o jacaré comeu antes de ir para a noite, és bem capaz
de reparar que ele só as comeu porque estava a fazer tempo para apanhar o autocarro. Se o autocarro por acaso tivesse chegado a tempo, o jacaré jamais iria comer os coentros. Até porque não tinha tempo. Convém sempre referir que o autocarro só se atrasou por causa da Idália, a empregada do Zé que é cliente habitual do 709. Ganhou tanta confiança com o motorista que ele nunca parte sem ela. Diz que entalou o mindinho na porta que dá para o jardim e teve que ir fazer um curativo. Todos os passageiros à espera e a senhora de ligadura no dedo. Diz que ardeu. Mas felizmente tinha por perto o furão que o patrão lhe tinha dado para lhe fazer alguma companhia. Eram horas a fio sem conversar com ninguém. E todos nós sabemos que se há bons ouvintes são os furões. Principalmente os do Japão. Acho que o Omega do sashimi deixa-os muito atenciosos. No meio disto tudo, foi um dia pouco produtivo para as empresas porque os passageiros do autocarro chegaram a horas de terminar o horário laboral. Se levaram na cabeça? E de que maneira.

Os suricatas que mandam nas Holdings não brincam em serviço. Ou é a horas ou não é. Não há cá desculpas. Nem que a Idália entale o dedo eles perdoam. Mas só com esta exigência é que as empresas podem vingar no mercado. Se bem que o mercado começa a ficar um bocadinho gasto. O peixe já não chega fresco, as mulheres perderam o buço e só abrem ao meio-dia. Ainda te lembras do som profundo dos berros de tais senhoras? Ficava na cabeça. Tudo mudou porque dizem que o Jorge e a Filomena da caixa 7 e 8 (respectivamente) do supermercado acabaram a relação. É capaz! Aquilo já não andava bem. Para além de muito tempo juntos e de trabalharem costas com costas, a exigência do balcão dos enchidos era perturbante. Dezasseis horas sempre a queixarem-se de que a temperatura está demasiado baixa é chato. Ainda não perceberam que é isso que os deixa vivos e com saúde.

Se quiserem fazer uma queixa oficial mais vale falarem com os suricatas. Mandam mais que o Governo. Tratam de tudo. Nisso até são impecáveis. Em menos de 2 horas tinha a casa limpa. Armários, mesas, cozinha, tudo. Ainda lhes estou a dever. Pediram 345 euros à hora e eu naquela altura não os tinha comigo. Achei exagerado. A Idália antes de trabalhar para o Zé, assegurava-me a limpeza e levava menos de 10 euros à hora. Mas por um lado até percebo. Desde que os funcionários chegaram atrasados que o tempo para eles é precioso. Querem aproveitá-lo ao máximo.

Esse momento ficou-lhes atravessado na garganta. Um deles ficou mesmo traumatizado. Entrou em depressão. Isto foi a mulher de um deles que me contou. Começou a desconfiar a partir do momento que refilava por tudo e por nada. Ou era porque a sopa estava fria demais, ou era porque o arroz era malandrinho em vez de ser arroz de coentros. Mas como sabem, o jacaré não deu hipótese.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O OUTRO LADO
 
Esta noite sonhei. Sonhei que tinha em mim pretensões de chegar ao cume da serrania mais remota. Sonhei que lá chegava. Sonhei que tocava no céu e de cima admirava o mundo. Um mundo grande com gente dentro. Um mundo com pequenos mundos interligados entre si. Um mundo com histórias que fazem pessoas. Um mundo verde e azul. Da lagoa mais profunda à onda perfeita, da vegetação condensa
ao vale despido. A ambição era só uma: conhecer o outro lado. O deserto tinha frio e o fogo tinha sede. O mar queria secar e a terra mergulhar. É o lado oculto da nossa realidade que não vemos ou não queremos ver. É o lado da vida que não vivemos ou não queremos viver. O lado louco da modéstia que nos chama a atenção mas só nos sonhos tem resposta.
Esta noite sonhei. Vi descampados iluminados com o rasgo do sol a chamar por mim. Sonhei que a vida não tinha enigmas. Decifrávamos a linguagem com o poder do amor. Explicávamos o amor com o poder da linguagem e aclarávamos o poder com a linguagem do amor. Não havia dolência, a loucura era servida à mesa e as pessoas sorriam de manhã à noite. Tocávamos o infinito e o infinito fazia questão de se mudar para nos deixar passar. Vi um lado que hoje não vejo. Não sei para onde foi mas sei que existe. Tudo parecia fácil e provocava-nos para querermos ir mais longe. Um lado onde o diabo amava. Acordei e vi apenas o lado de cá. Saí de casa para tomar café e comprei o jornal. Este lado fez questão de me mostrar mais um dia, mais uma rotina, mais uma história. As pessoas são feitas de história e a História precisa de pessoas. Há sempre dois lados. Este….e o outro.