terça-feira, 18 de dezembro de 2012

LISBOA, CIDADE SIMPÁTICA.

Pela calçada até ao rio penso nestas palavras. Guardo-as como minhas apenas. Desço ruelas, encontro caminhos. Descubro rostos e imagino paisagens. O trajecto nunca é igual. O passeio é desnivelado e está escorregadio. Onde não há corrimão de metal há quem te avise: “Cuidado, vá devagar” - exclama o merceeiro. Gosto de ver os turistas a gostar. Adoro ver gente de fora a co
ntemplar. Orgulho-me da simpatia da cidade. Gente boa e recomendável. Do Castelo até à Sé dás atenção à pedra da calçada. Tão nossa. Só nossa. Do miradouro até ao rio vai um longo caminho de pensamentos. O sol bate-te na cara e o gelo bate no copo. Grande final de tarde. O barulho das sombras, o pormenor das casas. As árvores mais altas vigiam-te o largo, tomam conta do que é teu. Do que é nosso. Do que te foi dado, do que tu tens que cuidar. Cada passo que dás é mais um bocado que Lisboa te dá a conhecer. Entras, sais, desvias-te, passas por cima. Estamos bem mobilados. Paro para descansar no banco de jardim. Puxo do papel para deixar cá as palavras. Têm que ser partilhadas. Lisboa...

domingo, 25 de novembro de 2012

A HISTÓRIA QUE TODOS PROCURAVAM

Esta é a história de que todos andavam à procura. Longas foram as horas de vasculho, de procura, de inquietação e de questionário. Ei-la, numa noite chuvosa de Lisboa.

Há muito tempo atrás, numa ilha deserta chamada N’tara, nascia uma criança com muito pêlo. As condições para o nascimento não eram as melhores dado que N’tara fi
cava no meio do oceano e nada havia à sua volta a não ser água. Era necessária uma preciosa ajuda humana e não ambiental. Ventos fortes e chuva quente davam as boas vindas ao novo rebento e membro da comunidade. Nesta ilha viviam apenas 300 habitantes. Uma população muito honesta e tradicional onde todos se cumprimentavam com o olhar. Não havia contacto físico. Tudo era feito através dos nossos olhos e de acordo com a intenção que vinha de dentro. Os olhos comandavam o resto. Sim, estás a perguntar: “Então como nasceu esta criança cheia de pêlo?” e a resposta é simples: dois N’tarianos contemplavam-se mútua e intensamente quando uma incontrolável tempestade tropical se abatia sobre a ilha e trazia com ela pequenos e soltos pedaços de lã e borboto do continente.

Esta criança não tinha nome. Todos pensavam que a desmedida quantidade de pêlos era doença e que a criança tinha pouco tempo de vida. Mas o que não sabiam era que estavam completamente enganados. Esta era uma criança rara, com uma inteligência acima da média e com conhecimentos de um verdadeiro superdotado. Mal tinha acabado de nascer e já sabia todas as línguas do mundo. Era estranha mas ao mesmo tempo era uma criança com um certo encanto e respeitada pois todos achavam que iria ser muito influente quando crescesse. Já o consideravam o Pai de N’tara.

Nesta ilha apenas existia madeira, pedra, trigo e ovelhas. E não, não sonhei com os descobridores de Katan. Não existia meio de transporte. As pessoas andavam a pé ou com meios inventados em cima do joelho. Havia quem criasse, em 10 minutos, pequenas rodas de pedra com assentos de madeira que permitiam uma deslocação confortável de 20 km/h. Todos se deslocavam à pequena cabana para ver a criança. Traziam presentes. Uns levavam folhas de goiaça - uma árvore que apenas sobrevivia através das lágrimas humanas e por isso todos os que sentiam necessidade de chorar, dirigiam-se à Goiaça para cumprirem a tradição e darem uma vida saudável à árvore - como gesto de boas vindas e respeito pela vida de mais um membro, outros traziam pedra pomes que encontravam à beira-mar como forma de oficialização de parte integrante da comunidade e outros traziam ben-u-ron porque aquela tempestade tropical volta e meia dava febre. Se bem que aquele pêlo todo permitia algum resguardo ao bebé.

Esta era uma criança rara porque todas as noites, pelas três da manhã, ela crescia um ano e cinco centímetros. Em três semanas já era maior de idade e decidiu abandonar N’tara. Não teve muito tempo para se despedir de todos até porque não teve muito tempo para os conhecer. Quando atingiu a maioridade e antes de partir, foi visitar o vidente e curandeiro da ilha. Era o Igor. Outro sábio e com uma enorme vontade de dar um nome ao Homem-Pêlo. Aproveitou a visita para lhe dar alguns conselhos sobre o mundo lá fora. Quando se despediu exclamou: “Boa sorte Nicolau”. E assim ficou. Nicolau deixou N’tara a nado e pelo caminho encontrou a Vanessa Fernandes que rapidamente o congratulou pela sua exímia inteligência. Nicolau agradeceu e seguiu crawl até ao Pólo Norte.

Chegado ao frio, decidiu tomar um dos ben-u-ron’s que ainda tinha no bolso e vestir um roupão vermelho e branco para não apanhar uma constipação. Com os pés em terra, Nicolau chorou. Chorou de saudades de N’tara e implorava por uma Goiaça. Foram tempos difíceis mas rapidamente se habituou. De chuvas quentes passou a ventos fortes e frios com neve a cair de forma intensa de uma em uma hora. Rapidamente todos os seus pêlos ficaram brancos. Encontrou abrigo e ganhou um gosto especial por Cergal. Era a mais barata e também não estava para se chatear nem viver a contar trocos. Como todas as nossas opções têm consequências, Nicolau não conseguiu escapar e a inevitável barriga de cerveja veio para ficar. Passadas mais umas semanas, o Pai de N’tara com mais de 60 anos decidiu dar um passo na sua vida. Como não queria deixar as origens, optou por deixar sofrer uma pequena actualização no seu título. Ei-lo: O Pai Natal.

Final alternativo: convidou a Vanessa Fernandes para jantar no seu Iglo e procriaram. Nasceram lindas meninas repletas de pêlo mas desta vez a culpa era inteiramente da mãe.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A MINHA GERAÇÃO

Temos medo. Condenados ao endividamento e com receio do que nos possa aparecer à frente. A minha geração viverá melhor ou pior do que a geração dos meus pais? De forma totalmente diferente. Menos rendimentos, menos esperança e com menos hipótese de gastar seja no que for. Não temos empréstimos nem créditos para um investimento maior. Tempos virão em que a palavra “concretização” será dificilmente concretizada.

Durante muitos anos, “chapa ganha, chapa gasta” era estilo de vida da maioria. Todos planeamos o nosso futuro ainda que inconscientemente. Quero poder viajar com a minha mulher. Quero poder levar os meus filhos para além de Espanha. Quero poder ter filhos. Quero poder jantar fora ao fim-de-semana. A minha geração terá menos oportunidades para umas coisas mas terá mais para outras. E aqui viro a história. É fácil apontar o dedo. E o que mais nos sai da boca hoje em dia é um: “Foste tu!!”.

A minha geração vai ver a vida de outra forma. Vamos ter mais mobilidade profissional. E quando afirmo isto, afirmo no sentido em que 10 anos no mesmo sítio será de mais para nós. Vamos querer procurar outras coisas. A minha geração quer tentar “lá fora”. A minha geração poderá só conseguir lá fora. Temos sonhos e há sempre a tendência para o despertador nos acordar na sua melhor parte. Ainda bem que o faz. É para podermos concretizá-los. A minha geração vai recriar o que está banal. Vai voltar ao essencial e dar outro valor às coisas. E, com certeza, um valor muito maior a todo o a rodeia. A minha geração é a tua geração e tu queres o mesmo que eu: apostar, ganhar, concretizar, realizar. Espero que possamos um dia, ao jantar, todos juntos dizer: aquilo não eram apenas verbos.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A ESCREVER

A escrever voo. A escrever marco. A escrever deixo. A escrever imagino. A escrever crio. A escrever liberto. A liberdade está à distância de uma caneta pousada numa folha em branco. Até lá, és um homem com limites. A escrever sinto. A escrever trato. A escrever curo. A escrever juro. A promessa numa folha de papel é feita entre ti e eles assim que levantas a caneta à ultima palavra. A escrever amo. A escrever desejo. A escrever faço. Faz o que gostas. Deixa quem mora ao lado e encara o espelho. Tens o mundo à porta.

domingo, 11 de novembro de 2012

ÉS MÁGICA E EU AMO-TE, RÁDIO!

Não falo de “bichinho” nem de vocação. Falo de relações humanas. Falo de contactos íntimos. De conversas tu-a-tu. A Rádio é o culminar da intimidade humana. A Rádio dá-nos liberdade, dá-nos asas para que possamos criar, para que possamos inventar e desvendar os mais ínfimos segredos do nosso dia-a-dia. Nunca tive consciência para quem falava nem quantas pessoas atingia.
Descobri a vontade de comunicar muito novo quando fazia espectáculos para o vazio e quando dei uma preocupação aos meus pais e familiares de que poderiam estar a lidar com um autista. Mas a minha cabeça estava apenas a criar, a imaginar e a viver momentos inventados por mim. Criei peças de teatro imaginárias, ouvi a ovação da plateia vazia e arrepiei-me. Anos mais tarde, com o meu dia-a-dia de emissão, percebi que era um bocadinho nesta perspectiva que as coisas funcionavam. Não temos a reacção imediata mas arrepiamo-nos.
Na rádio, apesar de estarmos entre quatro paredes, encontramos o mundo extrovertido, o mundo sociável e a boa disposição que passa para o “outro lado”. O nosso sentido de observação, seja ele invulgar ou não, tem impacto no dia-a-dia dos ouvintes. Temos identificação com as palavras, amor às histórias e partilha das vidas. Podemos estar a 1000 km de distância que quando o microfone é levantado e a luz vermelha acende, sentimos o calor do respirar como estivessem à nossa frente. Cada mail, cada mensagem, cada palavra de agradecimento que vem da rua ou do computador só vem carimbar toda a nossa vontade de querer fazer mais e chegar a mais pessoas.
“Obrigado por existirem” ; “Obrigado pela companhia” ; “Obrigado pela boa disposição”. É assustador como uma simples palavra de agradecimento quase que nos desconcerta e nos resume a lágrimas e arrepios. A Rádio é uma relação humana. Uma pessoa do lado de cá e outra do lado de lá. É para ti que falo e és tu quem muitas vezes também quero ouvir. Se não fosses tu escusava de levantar a via. O mundo muda quando estamos de Headphones, o mundo muda quando falamos. Sou só eu e tu e nada mais importa senão o calor das palavras. Obrigado...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O ELÉCTRICO


Lá ia ele. Todos os dias na mesma direcção. A caminho do inesperado. O eléctrico. O mais antigo da cidade que trazia de volta a felicidade longínqua dos passageiros. A chuva batia nas janelas. O Sol despedia-se com um sorriso
tímido por entre as árvores. Parava aqui e ali. Subiam uns e desciam outros. As crianças gostavam de se empoleirar. O eléctrico. Cheguei a apanhar quem tocasse e cantasse lá por dentro. Fado vadio mas vivo e recomendado. Espectáculos em andamento e histórias em movimento. O meu lugar ficou por lá, aquecido por outro com histórias diferentes. O eléctrico. Desvendava Lisboa antiga e traduzia o valor aos novos que chegavam. Línguas e costumes se misturavam e a saudade de casa estava presente. Nunca esquecerei a chuva, nunca esquecerei o Sol. Deixo para trás o dia, deixo para trás a ambição. Só quero a casa, o calor e o conforto aliado ao lar. Trago comigo Lisboa. O eléctrico. Obrigado pela boleia.

O MUNDO MUDOU


Não vou entrar em diferenças do século passado. Não vou entrar pela zona das mulheres que ganharam direitos e que deixaram crescer o cabelo e passaram a usar calças de ganga. Eu sei disso. Tu sabes disso. Nós sabemos disso. Onde está o bom carácter das pessoas? A boa educação escondeu-se em que beco?

No outro dia acordei e senti que nem o Sol era o mesmo. Antes de ch
egar à rádio fui beber um café e fumar um cigarro. Estou confortável a ler a primeira página do Público quando sou abordado por um indivíduo engravatado. Claramente na mesma situação que a minha: a caminho de mais um dia de trabalho. Alto, com o cabelo ainda molhado. Notei que tinha acabado de descer do prédio. “Dás-me isqueiro?”. Levei a mão ao bolso e tirei-lhe o que ele queria. Acendeu e devolveu. Virou costas e partiu. Se soltou a palavra que estás à espera? Não. Nem um sorriso de agradecimento dado que estava com o cigarro na boca. Se é mínimo? Claro. Que exemplo tão estúpido não é? Nessa mesma manhã, chego à rádio e passo por um colega no corredor. “Bom dia” - disse eu. Passou por mim e nada ouvi. Estou a ser um bocado chato não? Que coisas tão ínfimas. Fui almoçar com duas pessoas com os seus 85 anos. Duas pessoas de quem gosto muito e não via há muito tempo. Que almoço agradável. Boa conversa, boas histórias. Até que uma sombra cai sobre a mesa quando sei da notícia de que não são visitados há cerca de 7 meses. Sentem-se sós e com vontade de mais almoços daqueles.


O mundo mudou. Vi recuperarem o que os outros deitaram fora. Vi dar vida a quem deixou morrer. Vi povoar o que os outros abandonaram. Vi urbanos a deslocarem-se para o campo. Vi um empresário de enxada na mão e um contabilista a regar um malmequer.

No meio de tanta história lembrei-me de uma frase que faz todo o sentido: se queres ir depressa, vai sozinho. Se queres ir longe, vai com os outros. O mundo está com pressa. O mundo está sozinho. Os que mandam correm e quem quer mandar fica sem fôlego a tentar apanhar os que vão à frente. Onde está a solidariedade? Onde está a mão que levanta quem cai? Há quem tenha tanta pressa de entrar na discoteca que se esquece que tem 174 pessoas à frente. Mas “deu um jeito”. Conseguiu. Passou e entrou. Mas entrou sozinho. Para pagar o cartão também foi rápido. Um encontrão aqui e outro ali e quem já estava à espera...esperou mais um bocadinho. Que mal tem não é?
O mundo mudou por isto? Não sei. Mas que isto muda a pessoa, muda. E nós temos uma capacidade tão grande de mudar quem nos rodeia. Não nos apercebemos mas tal como o mundo precisa de nós, nós precisamos dele. Fazemos parte dele e um “passar à frente”, um “obrigado” não proferido, uma história de solidão tem impacto no mundo. Eu sei que não acreditas nisto. Mas o teu mundo influencia o meu. O teu bem-estar deixa o outro contente. E o outro deixa-me a mim. A tua felicidade dá uma lágrima de outra felicidade a quem mais te quer. E quem te quer, quer quem me queira. Vamos longe, mas vamos com os outros. Não te apresses. Porque vais lá chegar.....mas vais ter de esperar.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

SEM TI, O PUZZLE.

Dou por mim com peças soltas. Sem vontade de as organizar. O silêncio que existe entre a noite e o amanhecer chama pelo puzzle. Planos e desejos são traçados enquanto as junto, sem força mas com consciência. Junto o antes, o agora e o depois e nada aparece. Falta algo. A saudade do passado mostra as peças todas brancas, o que vivo agora mostra as peças mais escuras e o que está para vir tem as peças todas iguais. Sem ti, o puzzle não tem forma concreta. Sonho acordado e vivo a querer dormir. Voltas? Temos peças para juntar.

domingo, 9 de setembro de 2012

O SEM SENTIDO TEM SEMPRE SENTIDO

“Isso não faz sentido nenhum”. As pessoas têm sempre a mania de dizer coisas destas mas eu constatei que o sem sentido tem sempre sentido. Não existe algo sem sentido porque tudo o que é proferido, feito, idealizado, vai com um propósito. Vai numa direcção. Até este texto. Se eu começar a falar dos coentros que o jacaré comeu antes de ir para a noite, és bem capaz
de reparar que ele só as comeu porque estava a fazer tempo para apanhar o autocarro. Se o autocarro por acaso tivesse chegado a tempo, o jacaré jamais iria comer os coentros. Até porque não tinha tempo. Convém sempre referir que o autocarro só se atrasou por causa da Idália, a empregada do Zé que é cliente habitual do 709. Ganhou tanta confiança com o motorista que ele nunca parte sem ela. Diz que entalou o mindinho na porta que dá para o jardim e teve que ir fazer um curativo. Todos os passageiros à espera e a senhora de ligadura no dedo. Diz que ardeu. Mas felizmente tinha por perto o furão que o patrão lhe tinha dado para lhe fazer alguma companhia. Eram horas a fio sem conversar com ninguém. E todos nós sabemos que se há bons ouvintes são os furões. Principalmente os do Japão. Acho que o Omega do sashimi deixa-os muito atenciosos. No meio disto tudo, foi um dia pouco produtivo para as empresas porque os passageiros do autocarro chegaram a horas de terminar o horário laboral. Se levaram na cabeça? E de que maneira.

Os suricatas que mandam nas Holdings não brincam em serviço. Ou é a horas ou não é. Não há cá desculpas. Nem que a Idália entale o dedo eles perdoam. Mas só com esta exigência é que as empresas podem vingar no mercado. Se bem que o mercado começa a ficar um bocadinho gasto. O peixe já não chega fresco, as mulheres perderam o buço e só abrem ao meio-dia. Ainda te lembras do som profundo dos berros de tais senhoras? Ficava na cabeça. Tudo mudou porque dizem que o Jorge e a Filomena da caixa 7 e 8 (respectivamente) do supermercado acabaram a relação. É capaz! Aquilo já não andava bem. Para além de muito tempo juntos e de trabalharem costas com costas, a exigência do balcão dos enchidos era perturbante. Dezasseis horas sempre a queixarem-se de que a temperatura está demasiado baixa é chato. Ainda não perceberam que é isso que os deixa vivos e com saúde.

Se quiserem fazer uma queixa oficial mais vale falarem com os suricatas. Mandam mais que o Governo. Tratam de tudo. Nisso até são impecáveis. Em menos de 2 horas tinha a casa limpa. Armários, mesas, cozinha, tudo. Ainda lhes estou a dever. Pediram 345 euros à hora e eu naquela altura não os tinha comigo. Achei exagerado. A Idália antes de trabalhar para o Zé, assegurava-me a limpeza e levava menos de 10 euros à hora. Mas por um lado até percebo. Desde que os funcionários chegaram atrasados que o tempo para eles é precioso. Querem aproveitá-lo ao máximo.

Esse momento ficou-lhes atravessado na garganta. Um deles ficou mesmo traumatizado. Entrou em depressão. Isto foi a mulher de um deles que me contou. Começou a desconfiar a partir do momento que refilava por tudo e por nada. Ou era porque a sopa estava fria demais, ou era porque o arroz era malandrinho em vez de ser arroz de coentros. Mas como sabem, o jacaré não deu hipótese.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O OUTRO LADO
 
Esta noite sonhei. Sonhei que tinha em mim pretensões de chegar ao cume da serrania mais remota. Sonhei que lá chegava. Sonhei que tocava no céu e de cima admirava o mundo. Um mundo grande com gente dentro. Um mundo com pequenos mundos interligados entre si. Um mundo com histórias que fazem pessoas. Um mundo verde e azul. Da lagoa mais profunda à onda perfeita, da vegetação condensa
ao vale despido. A ambição era só uma: conhecer o outro lado. O deserto tinha frio e o fogo tinha sede. O mar queria secar e a terra mergulhar. É o lado oculto da nossa realidade que não vemos ou não queremos ver. É o lado da vida que não vivemos ou não queremos viver. O lado louco da modéstia que nos chama a atenção mas só nos sonhos tem resposta.
Esta noite sonhei. Vi descampados iluminados com o rasgo do sol a chamar por mim. Sonhei que a vida não tinha enigmas. Decifrávamos a linguagem com o poder do amor. Explicávamos o amor com o poder da linguagem e aclarávamos o poder com a linguagem do amor. Não havia dolência, a loucura era servida à mesa e as pessoas sorriam de manhã à noite. Tocávamos o infinito e o infinito fazia questão de se mudar para nos deixar passar. Vi um lado que hoje não vejo. Não sei para onde foi mas sei que existe. Tudo parecia fácil e provocava-nos para querermos ir mais longe. Um lado onde o diabo amava. Acordei e vi apenas o lado de cá. Saí de casa para tomar café e comprei o jornal. Este lado fez questão de me mostrar mais um dia, mais uma rotina, mais uma história. As pessoas são feitas de história e a História precisa de pessoas. Há sempre dois lados. Este….e o outro.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Fica aqui um primeiro esboço para a minha mais recente criação: JÁ DIZIA O OUTRO, O Livro. Uma compilação de vários textos. Uns recentes, outros antigos. Reconstruções de textos da sátira "Os Magos do Social", etc.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

“FÉRIAS PARA DESCANSAR? MENINO!”

Longe vão os tempos em que, nos últimos cartuchos do ano lectivo, pensávamos que nos poderíamos ver livres dos nossos colegas por algum tempo. Quem diz colegas, diz pessoas e amigos com quem convivíamos durante todo o ano. É normal. Uma pessoa começa a ter barba e passa a ter programas com esses mesmos amigos numa casa de férias alugada. Mas a nossa geração é uma 
geração muito marcada pela falta de ócio e incúria. Principalmente nas férias. Está para ser descoberta a explicação científica para a pergunta: “Como é que um T1 leva 40 pessoas?”. Os investigadores dizem que pode demorar algum tempo mas a resposta há-de chegar.

Todos os dias há que fazer compras. O dia começa às 16h e acaba às 10h do dia seguinte. É o chamado horário de Verão. Coisa que os pais nunca vão compreender. Muito menos os avós. Pelas 18h, depois de duas horas árduas na praia, começa-se a pensar no jantar e no que fazer. Toca a distribuir tarefas. É como se o dado estivesse viciado. É sempre o mesmo desditoso a ir às compras e é sempre o mesmo grupo de raparigas na cozinha. Tal como é sempre o mesmo gajo no Puff à espera da chamada: “Jantaaar”. Já foi uma vez referido mas vale a pena relembrar: o desgraçado que vai ao supermercado, se for sozinho, não tem outro remédio se não enfiar um pacote de Belgas no meio das 7 garrafas de vodka e dos 5 sumos de limão para não parecer mal à senhora da caixa.

Longe vão os tempos em que acordar cedo para ir para a praia era o nosso maior deleito. Ao som da voz suave e do tom brando da nossa mãe e do toque ligeiro do nosso pai nos nossos ombros. Quanto muito, aquilo que pode acontecer hoje em dia o mais semelhante a tal acontecimento nostálgico é um bramido do nosso “compincha” a queixar-se da bruta ressaca que aguenta na cabeça e um toque feroz de um amigo que dormiu ao nosso lado que tem espasmos nocturnos. Há 5 quartos e 10 camas. Sendo que são 40 convidados, os sofás nunca foram tão idolatrados como hoje em dia. E o chão? Que amigo tão simpático. Todos os dias se acorda com a famosa “cara de ontem” e assim permanecemos até à noite. Há quem diga que dormir é para meninos e por isso todos aqueles que fecham os olhos entre as 8h e o meio-dia são mal vistos pela sociedade juvenil.

Depois de uma semana em que “dormir” é claramente uma palavra que não consta nos dicionários, chega a semana de férias com os pais. Primeiro impacto? O mesmo de sempre: “Deves ter adorado. Olha-me para essa cara”. Isto da parte do pai porque o discurso da mãe não tem nada que enganar: “Eu imagino. Eu imagino a tua semana”. Há toda uma desintoxicação que é feita pelos pais. A começar pela comida......e pela bebida. Jantar fora? Sim. Pago pelos progenitores. “O que é que queres beber filho? Queres uma imperial ou uma garrafinha pequena de Mateus a dividir comigo e com a mãe?” Lá aparece aquele arroto indeciso que faz sempre questão de cumprimentar a família seguido de um: “Fico-me pela Coca-Cola, obrigado”. Toda esta semana com a família é como uma injecção de soro no nosso organismo. O problema é que, cada vez menos, há férias em família. As semanas no T1 alugado estão à frente. Praia? Muitos nem a vêem. Noite? Todos a querem. Engates? Todos o procuram. Uns acertam, a outros faz ricochete, mas se calhar não entrava por aí. Acho que me fiz entender.

Ora bem....poucas horas de sono, álcool, paixonetas, noite, praia, acho que está tudo. Ah, quase me esquecia: a chamada telefónica dos pais a meio “dessa” semana. Das duas uma, ou tens sorte com os amigos e podes falar no meio do grupo, ou deslocares-te uns 20 passos para o lado não é uma má ideia. Este tipo de semanas não acontece a todos mas há uma coisa comum a todos os mortais. Uma pessoa chega a Setembro a pensa: “Onde é que elas estão?” Sim, as férias.

GC

quarta-feira, 27 de junho de 2012

"EURO 2012"

Há momentos mágicos e os meses do europeu contribuem para essa mística que paira no ar. Parou em Portugal, parou em qualquer país presente nas eliminatórias. Há quem desligue as luzes durante o ano com o tema do futebol mas há quem seja o primeiro a ligar o interruptor na hora de começar o Euro. As convocatórias, as conferências de imprensa, os treinos, as apostas, as conversas e as discussões.

Tudo isto faz parte de um sentimento estranho e de uma ligação muito forte ao desporto-rei. Revivemos a história, revivemos a glória. Olhamos para trás e trazemos ao presente vozes marcantes como Jorge Perestrelo. Recordamos os gritos e as palavras que nos arrepiaram a espinha. Motivamo-nos uns aos outros e todos motivamos a nossa selecção. Portugal. Esse país pequeno em tamanho e grande em história.

Na guerra, nos descobrimentos, na glória e no futebol. Eusébio fez-nos chorar. Ronaldo fez-nos acreditar. 23 seres humanos que elevaram o ego do nosso país. 23 seres humanos que trouxeram alegria ao dia-a-dia dos trabalhadores, ao dia-a-dia dos cidadãos. Portugal escutou Nuno Matos ao cantar o segundo golo de Ronaldo frente à Holanda. Nuno Matos arrepiou os adeptos e trouxe a emoção do relvado para nossas casas. Helder Conduto cativou-nos com a sua experiência e sabedoria. João Ricardo Pateiro cantou-nos ao ouvido.

É bom ver os profissionais e sentir que podemos provocar emoções nas pessoas, reacções, sentimentos. Falando de uma forma pessoal, uma vez que sou eu que escrevo, sinto-me orgulhoso e privilegiado por saber que estão na minha área. Que são a ponte de ligação entre os nossos queridos atletas e guerreiros e a nossa população.

Cada jogador, à sua maneira, deu que falar. Houve elogios, houve críticas. Houve risos e palavrões. Houve partilha e houve lágrimas. Milhões de corações bateram e muitos hinos de entoaram. Trauteando ou não, a intenção esteve lá e o país precisa de sentir que.....não somos 11 por todos e todos por 11 mas sim todos por 10 milhões.

A vida continua e o dia de amanhã volta a fazer questão de relembrar a palavra: "crise". Crise. Crise é mudança. E a nossa selecção mudou-nos. Fez-nos rir quando poderíamos estar em casa no computador; fez-nos chorar quando poderíamos estar a trabalhar; fez-nos saltar quando poderíamos estar a dar um mergulho na praia ou a tomar um copo com outros amigos. Portugal mudou-nos e é tempo de mudarmos também.

Comecemos por erguer a cabeça e dizer: "Bom dia....vamos a isso?" GC

quinta-feira, 14 de junho de 2012

NOITES COM GENTE DENTRO


Escrever uma espécie de agradecimento profundo ou uma outra qualquer lamechice não seria tão galante como aquilo que tenho para vos dizer. São noites inigualáveis, de convívio (a maior parte dele esquecível) e de amigos. UNKNOWN. Uma noite de sexta começa à quarta. De facebook ligado, somos convidados a presenciar mais uma festa no final da semana. Segue-se a quinta. De facebook, ligado somos identificados em montagens produzidas pelos próprios relações públicas como forma de promoção à noite do dia seguinte. Chega a sexta. "Tou? Câmara? Tou a sair do escritório. Jantamos?". Perguntar o sítio e o restaurante é o mesmo que perguntar se os gatos miam por isso a chamada desliga-se. "Tou? Martim? Sakana!" - "Tão pá? Passaste-te?" - "Não burro, tou a perguntar se não queres ir ao sushi". As combinações processam-se e os amigos juntam-se. "Tou? Cascais?". Marcação feita. As vezes que lá jantamos são de tal forma desmedidas que avizinham-se chamadas deste género: "Tou? Cascais?" - "Sim, marcado" - "Obrigado". 

Serviço exímio, peixe de qualidade e sangria de matar. São praticamente três horas bem passadas com música ambiente e um ou outro: "Se puderes trazer mais Nigiris fico-te eternamente grato". A noite aproxima-se e as pessoas vão chegando. Se algum dia vires um cavalheiro cujo apelido é Mangueira, que utiliza o polegar e o indicador para dar festinhas ao bigode a caminho do bar....foge! Quando se aproxima, viro-me de costas, tocam-me no ombro: “Tão rapaz? És Tenente ou és Capitão? Bora!” E aí vai um. “Shot do Mangueira” é marca registada. Maravilhoso mas se o vires outra vez.....foge mesmo!
Há quem me chame de doente por estar de pé no Urban toda a santa sexta. Há quem chegue a mandar mensagens como: “Câmara, faço anos esta sexta e queria convidar-te para a minha festa nos Meninos do Rio. Sei que estás sempre no Urban, desculpa mas foi o sítio que arranjei mais perto para que ainda te pudesses sentir em casa”. Obrigado. “Vais sexta ao Urban?” e “Respiras?” são a mesma questão. (Martim, 20 euros sff). 

A equipa de relações públicas é composta por pessoas muito distintas o que torna o grupo muito criativo e versátil. “Senha” é a palavra mais proferida durante a noite, copo vazio significa “Onde está o Martim Lima” e “Nuno Castro” é a pessoa mais procurada. O espaço é provocante e sedutor e eu nunca me senti tão confortável num bar colado a uma casa de banho. Obrigado Pépe. A noite faz-se, a noite acontece. Há quem se dispa depois de um “Danza Kuduro”, há quem berre com o “Amor de Julieta” e há quem se baixe ao máximo de forma a conseguir espreitar ao som de um “Levanta o Vestido”. Muitos têm pena dos relações públicas com a justificação de que estão sempre de um lado para o outro, estão sempre a ser abordados, há sempre quem chame por eles. Não tenham pena. Nunca conheci forma mais eficaz de despachar uma pessoa chata do que como: “Tenho que ir à porta”. UNKNOWN é um bom nome. Confesso que não me apercebi  do seu significado mas também não importa. Como somos seres livres de escolher e podemos tirar as nossas próprias ilações vou entender UNKNOWN como É “Desconhecida” a forma como cheguei a casa. 

Uns vão, outros chegam. Os amigos juntam-se e a noite continua sempre com o Cristo Rei lá ao longe em posição de: “Então e o meu Vodka?”. O Tejo ganha outra dimensão com este espaço, com estas pessoas, com este espírito. As luzes do Wonder ficam azuis, é para sair. Quem ainda não se apercebeu disso, não há problema que há um senhor alto e largo que faz questão de lembrar. Acompanhados ou sozinhos, não saem de lá sem passar pela caixa. Rezando o terço para te lembrares do código do cartão e mais uma dezena para que o recibo seja simpático. Passa cartão e vai-te embora. Sexta vemo-nos por aí ;)

O SORRISO DE UMA CRIANÇA DOENTE.


Estive muito tempo a pensar o que poderia escrever. A tentar perceber o que poderia testemunhar sobre a minha visita ao IPO. O convite foi feito por uma professora universitária e foi aceite no momento. “Acho-te capaz de animares as crianças. Do que te conheço, confio que és pessoa para levar este desafio para a frente”. Na altura não pensei duas vezes. “Sim, com certeza.” Um dia antes da minha visita não conseguia pegar numa chávena de café, tremia quando chegava a colher à boca, algo de muito estranho estava a acontecer comigo. Parei para pensar na responsabilidade que tinha pela frente. Confesso que várias vezes me passaram desculpas pela cabeça para não aparecer mas alguma coisa mais forte me apertou o coração.

 

Dia da visita. Tinha uma hora pela frente para conviver com as crianças, para animar com histórias, contos, jogos. Consegui retirar sorrisos, gargalhadas, gestos e algumas palavras de crianças a quem o futuro não iria sorrir. A cada minuto que passava dentro daquelas instalações o aperto na garganta ficava mais forte. Como uma vez disse Ricardo Araújo Pereira numa outra visita ao IPO: “Fazer aquelas crianças rir é fácil. Uma pessoa diz cocó e elas riem-se. Mas mais marcante ainda do que conseguir o sorriso de uma criança, é conseguir um sorriso dos pais que as acompanham todos os dias”.

 

Foram momentos de absoluto discernimento do que é valioso ou não. Daquilo que vale a pena ou que é para ignorar. Passaram por mim rostos de adultos a quem a sombra se apoderou. Vi olhares a quem a esperança deixou. Mas vi gestos nas crianças de uma inocência absolutamente inabalável de quem sentia segurança e protecção. “Conta mais uma mas sem que o cavalo fique doente”. Confesso que nunca fui bom a inventar histórias mas senti-me criativo durante uma hora e meia. “Acho que o senhor cabeçudo devia pedir desculpas à princesa”. Não esqueço vozes. Não esqueço rostos. Não esqueço palavras nem a entrega de quem lá trabalha.

 

Quando pensamos que nada vale a pena daqui para a frente quando uma má notícia nos é dada, o melhor é pensarmos que tudo aquilo que temos pela frente valerá mais do que qualquer outra coisa. Ainda que sejam meses, dias ou ínfimas horas. Se calhar, quando lá voltar, algumas crianças podem já não lá estar. Quando lá voltar posso encontrar novas pessoas, novos pais, novos desafios. Mas há algo que vou sempre viver: um sentimento de ternura, de amizade e de agradecimento por quem me dá a mão. Uma mão de 5 cm, uma mão de criança e um olhar de quem quer “mais uma história”. A história faço-a eu. Agora. De noite. Com o pensamento do: “amanhã é mais um dia”. É. E cabe-me a mim construí-lo e desenhá-lo de modo a que me deite e pense: “Valeu a pena”.

 

Senti que a “Esperança” ganhou condimentos. Um sentimento de que se pode ir um bocadinho mais longe; nem que seja na forma como lidamos com os outros no dia-a-dia. Aquelas crianças podem não saber o que é, mas souberam transmiti-la a quem está do lado de cá da cama. Gostava de voltar e reencontrar o Marco, o André, a Teresa, o Joaquim e a Maria. Foi das melhores tardes da minha vida e nunca vou esquecer o que pode um sorriso de um doente fazer no resto do meu dia.

Gonçalo Câmara