Não vou entrar em
diferenças do século passado. Não vou entrar pela zona das mulheres que
ganharam direitos e que deixaram crescer o cabelo e passaram a usar
calças de ganga. Eu sei disso. Tu sabes disso. Nós sabemos disso. Onde
está o bom carácter das pessoas? A boa educação escondeu-se em que beco?
No outro dia acordei e senti que nem o Sol era o mesmo. Antes de chegar
à rádio fui beber um café e fumar um cigarro. Estou confortável a ler a
primeira página do Público quando sou abordado por um indivíduo
engravatado. Claramente na mesma situação que a minha: a caminho de mais
um dia de trabalho. Alto, com o cabelo ainda molhado. Notei que tinha
acabado de descer do prédio. “Dás-me isqueiro?”. Levei a mão ao bolso e
tirei-lhe o que ele queria. Acendeu e devolveu. Virou costas e partiu.
Se soltou a palavra que estás à espera? Não. Nem um sorriso de
agradecimento dado que estava com o cigarro na boca. Se é mínimo? Claro.
Que exemplo tão estúpido não é? Nessa mesma manhã, chego à rádio e
passo por um colega no corredor. “Bom dia” - disse eu. Passou por mim e
nada ouvi. Estou a ser um bocado chato não? Que coisas tão ínfimas. Fui
almoçar com duas pessoas com os seus 85 anos. Duas pessoas de quem gosto
muito e não via há muito tempo. Que almoço agradável. Boa conversa,
boas histórias. Até que uma sombra cai sobre a mesa quando sei da
notícia de que não são visitados há cerca de 7 meses. Sentem-se sós e
com vontade de mais almoços daqueles.
O mundo mudou. Vi recuperarem o
que os outros deitaram fora. Vi dar vida a quem deixou morrer. Vi
povoar o que os outros abandonaram. Vi urbanos a deslocarem-se para o
campo. Vi um empresário de enxada na mão e um contabilista a regar um
malmequer.
No meio de tanta história lembrei-me de uma frase
que faz todo o sentido: se queres ir depressa, vai sozinho. Se queres ir
longe, vai com os outros. O mundo está com pressa. O mundo está
sozinho. Os que mandam correm e quem quer mandar fica sem fôlego a
tentar apanhar os que vão à frente. Onde está a solidariedade? Onde está
a mão que levanta quem cai? Há quem tenha tanta pressa de entrar na
discoteca que se esquece que tem 174 pessoas à frente. Mas “deu um
jeito”. Conseguiu. Passou e entrou. Mas entrou sozinho. Para pagar o
cartão também foi rápido. Um encontrão aqui e outro ali e quem já estava
à espera...esperou mais um bocadinho. Que mal tem não é?
O mundo
mudou por isto? Não sei. Mas que isto muda a pessoa, muda. E nós temos
uma capacidade tão grande de mudar quem nos rodeia. Não nos apercebemos
mas tal como o mundo precisa de nós, nós precisamos dele. Fazemos parte
dele e um “passar à frente”, um “obrigado” não proferido, uma história
de solidão tem impacto no mundo. Eu sei que não acreditas nisto. Mas o
teu mundo influencia o meu. O teu bem-estar deixa o outro contente. E o
outro deixa-me a mim. A tua felicidade dá uma lágrima de outra
felicidade a quem mais te quer. E quem te quer, quer quem me queira.
Vamos longe, mas vamos com os outros. Não te apresses. Porque vais lá
chegar.....mas vais ter de esperar.