segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O ELÉCTRICO


Lá ia ele. Todos os dias na mesma direcção. A caminho do inesperado. O eléctrico. O mais antigo da cidade que trazia de volta a felicidade longínqua dos passageiros. A chuva batia nas janelas. O Sol despedia-se com um sorriso
tímido por entre as árvores. Parava aqui e ali. Subiam uns e desciam outros. As crianças gostavam de se empoleirar. O eléctrico. Cheguei a apanhar quem tocasse e cantasse lá por dentro. Fado vadio mas vivo e recomendado. Espectáculos em andamento e histórias em movimento. O meu lugar ficou por lá, aquecido por outro com histórias diferentes. O eléctrico. Desvendava Lisboa antiga e traduzia o valor aos novos que chegavam. Línguas e costumes se misturavam e a saudade de casa estava presente. Nunca esquecerei a chuva, nunca esquecerei o Sol. Deixo para trás o dia, deixo para trás a ambição. Só quero a casa, o calor e o conforto aliado ao lar. Trago comigo Lisboa. O eléctrico. Obrigado pela boleia.

O MUNDO MUDOU


Não vou entrar em diferenças do século passado. Não vou entrar pela zona das mulheres que ganharam direitos e que deixaram crescer o cabelo e passaram a usar calças de ganga. Eu sei disso. Tu sabes disso. Nós sabemos disso. Onde está o bom carácter das pessoas? A boa educação escondeu-se em que beco?

No outro dia acordei e senti que nem o Sol era o mesmo. Antes de ch
egar à rádio fui beber um café e fumar um cigarro. Estou confortável a ler a primeira página do Público quando sou abordado por um indivíduo engravatado. Claramente na mesma situação que a minha: a caminho de mais um dia de trabalho. Alto, com o cabelo ainda molhado. Notei que tinha acabado de descer do prédio. “Dás-me isqueiro?”. Levei a mão ao bolso e tirei-lhe o que ele queria. Acendeu e devolveu. Virou costas e partiu. Se soltou a palavra que estás à espera? Não. Nem um sorriso de agradecimento dado que estava com o cigarro na boca. Se é mínimo? Claro. Que exemplo tão estúpido não é? Nessa mesma manhã, chego à rádio e passo por um colega no corredor. “Bom dia” - disse eu. Passou por mim e nada ouvi. Estou a ser um bocado chato não? Que coisas tão ínfimas. Fui almoçar com duas pessoas com os seus 85 anos. Duas pessoas de quem gosto muito e não via há muito tempo. Que almoço agradável. Boa conversa, boas histórias. Até que uma sombra cai sobre a mesa quando sei da notícia de que não são visitados há cerca de 7 meses. Sentem-se sós e com vontade de mais almoços daqueles.


O mundo mudou. Vi recuperarem o que os outros deitaram fora. Vi dar vida a quem deixou morrer. Vi povoar o que os outros abandonaram. Vi urbanos a deslocarem-se para o campo. Vi um empresário de enxada na mão e um contabilista a regar um malmequer.

No meio de tanta história lembrei-me de uma frase que faz todo o sentido: se queres ir depressa, vai sozinho. Se queres ir longe, vai com os outros. O mundo está com pressa. O mundo está sozinho. Os que mandam correm e quem quer mandar fica sem fôlego a tentar apanhar os que vão à frente. Onde está a solidariedade? Onde está a mão que levanta quem cai? Há quem tenha tanta pressa de entrar na discoteca que se esquece que tem 174 pessoas à frente. Mas “deu um jeito”. Conseguiu. Passou e entrou. Mas entrou sozinho. Para pagar o cartão também foi rápido. Um encontrão aqui e outro ali e quem já estava à espera...esperou mais um bocadinho. Que mal tem não é?
O mundo mudou por isto? Não sei. Mas que isto muda a pessoa, muda. E nós temos uma capacidade tão grande de mudar quem nos rodeia. Não nos apercebemos mas tal como o mundo precisa de nós, nós precisamos dele. Fazemos parte dele e um “passar à frente”, um “obrigado” não proferido, uma história de solidão tem impacto no mundo. Eu sei que não acreditas nisto. Mas o teu mundo influencia o meu. O teu bem-estar deixa o outro contente. E o outro deixa-me a mim. A tua felicidade dá uma lágrima de outra felicidade a quem mais te quer. E quem te quer, quer quem me queira. Vamos longe, mas vamos com os outros. Não te apresses. Porque vais lá chegar.....mas vais ter de esperar.